domingo, 26 de maio de 2013

Marcação Genética


Edmar Oliveira
 
Fiquei meio encucado com a notícia de que Angelina Jolie retirou as duas mamas para prevenir um "provável câncer", já que a o exame de seu genoma apontava para 87% de probabilidade, com o agravante de sua mãe ter falecido prematuramente com esse tipo de câncer. Pensei nos 13% de possibilidade dela ter uma mama saudável até a morte por outra causa e me lembrei do Darci Ribeiro. O professor estava no exílio na Europa quando lhe diagnosticaram um câncer de pulmão com a possibilidade de lhe matar em 80% no prazo de um ano. Darci, talvez acreditando num xamã indígena, decretou com convicção que a sua sobrevida estava nos 20% da aposta, e teve bastante tempo para voltar do exílio e ainda prestar grandes serviços à nação por muitos e muitos anos. Lembro ainda de uma pergunta provocativa sobre os malefícios do cigarro, apontado como responsável por seu mal. O mestre respondeu ironicamente dizendo que cigarro era bom, ruim era o câncer.

Mas já se foi o tempo de Darci e da ignorância genética. Hoje os tempos são das certezas de Angelina na marcação genética. Por ela certamente Stephen Hawking, o genial físico engembrado numa cadeira de rodas não teria nascido. Certo também que a humanidade perderia muito pouco com o meu aborto por aconselhamento genético, se Dona Águeda fosse mapeada nos Palmeirais do passado, e eu não estaria escrevendo estas tolices. As doenças seriam evitadas e o mundo seria desta gente bronzeada mostrando seu valor. Confesso que seria muito absurdo não me deixarem pelo menos ver essas moças bonitas e saudáveis do calçadão de Copacabana, mesmo com meu raquitismo deformado e com as crises asmáticas da genética doentia.

Mas continuo encucado com essas percentagens genéticas. Li também a notícia de que um Europeu tirou sua próstata sadia porque a marcação genética apontava para um câncer difícil de evitar. Estou apavorado com esse surto de se evitar o destino por antecipação genética. Não sei se falo em causa própria de quem nem deveria estar aqui. Mas achei muita graça da piada de que um português amputou o pênis porque o risco de ficar “broxa” era muito grande. Quiá, quá, quá!!!!


 

Banhos no riacho da Bacaba

Geraldo Borges
 
O riacho corria bordando o fundo do cercado  da casa de fazenda do meu pai. Tinha um pequeno lago e uma cachoeira chamada de Pedra de Amolar e o lugar onde se despejava no rio era conhecido como Boca da Barra. Era o lugar mais fundo do riacho, onde a gente pescava piaus.

Relembro um pouco o caminho que percorríamos para chegar ao local onde tomávamos banho. Logo na saída da porta de casa havia um florido pé de bogari, uma espécie de jasmim, que ainda  hoje cheira nas minhas recordações. Este caminho não existe mais, pois foi abandonado. O tempo comeu seu curso e suas  beiradas e o mato o sepultou.

Com menos de dez minutos estávamos no riacho, mesmo levando em conta as brincadeiras que fazíamos ao longo do caminho. Espantar uma rolinha, correr atrás de um  calango que, se escondia, rapidamente,  detrás de uma moita, jogar  pedras em um cameleão  que dormia  sossegado tomando banho de sol.

               Hoje tento reconstruir no papel o riacho da minha infância, ilusão. Lembro-me que ele nascia no brejo. Meu pai falava em sua cabeceira, a nascente, que para mim era um mistério. Pois eu nunca  tinha estado lá. Eu sabia que a sua água cristalina vinha de longe, era com ela que, doméstica, dentro de um pote, dentro de uma cabaça, matávamos a nossa sede. Era com ela que lavávamos os nossos cavalos.

Vejo—me chegando o riacho, tirando a roupa e tomando banho nu, éramos criança. Tibungo. A água fria  fortalecia o corpo e fazia a gente tremer o queixo nos primeiros mergulhos. A criançada inteira dava cangapé dentro d’água. Durante os invernos rigorosos o riacho transbordava e cantava alto acordando a gente de madrugada, tínhamos que deixar estiar um pouco para o riacho baixar o leito e dar condições para que pudéssemos voltar de novo a nossa alegria de ficarmos nus dentro d’água, tiritando de frio.

Hoje o riacho não é o mesmo, digo isso por que lhe fiz uma visita. Desgastou-se com a exploração de madeira  em seu entorno, e nas suas margens, com as queimadas para fazer roças. Antigamente era necessário uma  pinguela de madeira para atravessá-lo de uma margem para outra no caminho  que dividia a fazenda do meu pai com a do meu tio, hoje se passa a vau, com a água nos calcanhares. Além de não precisar de mais pinguela  tem agora uma roda d’água, tempos modernos, instalada no local do lago e da Pedra de Amolar, sem duvida o novo proprietário canaliza água para a sua moradia. Ninguém precisa mais usar lata d’água na cabeça.

Acredito que o meu riacho   continua  correndo   em minha veias, fecundando a semente das frutas silvestres que eu saboreei, às suas margens, substantivando os peixes que me alimentaram. Dando- me alegria de sentir o puxão firme no anzol. Hoje bebo água, encanada, tratada, cheia de cloro. E vivo longe do riacho de minha infância que, às vezes, me aparece em sonho, rugindo depois de uma noite de inverno em que ele toma corpo. Mas é apenas sonho, hoje ele não passa de um filete de água rasa, onde a Pedra de Amolar já não tem mais esse nome, já não existe cachoeira, e a Boca da Barra quase já não despeja água no rio Parnaíba. 
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desenho: Peder Mork Monsted, "Paisagem com ponte de tronco" em: http://joserosarioart.blogspot.com.br/2010/12/peder-mork-monsted.html

POBRE ESCRITOR É PRISIONEIRO DA MALHA FINA DA RECEITA FEDERAL


Edmar Oliveira
 
Recebi uma intimação da Receita Federal. Fiquei com a orelha em pé e o bolso de resguardo. Esse é o país da impunidade com duas honrosas exceções: Pensão Alimentícia e Sonegação à Receita. A primeira honra leva o sujeito à cadeia sem direito a apelação. No segundo crime você é inscrito na Dívida Ativa da União, tendo quaisquer bens bloqueados para pagar essa dívida, atingindo inclusive aos possíveis herdeiros. Em alguns casos a única herança é a dívida. Nunca tive motivo para infringir as honrosas exceções que implicam em implacáveis punições. Por isso fiquei assustado com a intimação.

Não tinha quaisquer motivos para cair nas malhas da Receita. Meus rendimentos são frutos amargos do meu trabalho assalariado como servidor público. Algumas vezes prestei assessorias às Prefeituras e Estados, mas nunca deixei de declarar, até porque é burrice sonegar um rendimento público. Sei que a Receita cruza essas informações e a sonegação pública é passível de demissão. Tão cuidadoso assim, porque diabos fui intimado? Que crimes teria cometido para comprometer meu patrimônio, parco e esfarrapado?

Longa espera nos corredores enormes e desertos da Receita Federal do Rio de Janeiro. A funcionária burocrática me acusava de não ter declarado aluguéis e parte de um dinheiro que a Prefeitura me pagou atrasado. O dinheiro da Prefeitura eu tinha como explicar, pois tive que abrir um processo para receber meus direitos que foram pagos em dois exercícios. Erro da informação da Prefeitura. Mas aluguéis eu até já paguei, nunca recebi. Não me consta alugar o imóvel que eu moro. A burocrata fuçou pra lá e pra cá dentro do computador e disse que havia um erro ali que fora mal compreendido. Eu estava sonegando era royalties. Aí eu não entendi: nunca tive poços de petróleo! A moça disse que não podia me explicar mais e mandou falar com o diretor do departamento.

Dificuldade de achar a sala do homem naquele ambiente amplo e escuro. Quando fui recebido o homem pediu meu CPF e abriu toda a minha vida fiscal no seu computador. Disse que eu tinha que pagar sobre royalties recebido da Vieira & Lent. Ora, Vieira & Lent é a editora de meu livro “Ouvindo Vozes” de quem, a título de direitos autorais, eu recebo míseros R$ 2,80 por cada livro vendido. E o homem tava ali, firme, afirmando que direitos autorais tinha que pagar imposto de renda. No ano em que me “pegaram” eu só recebi R$ 508,00 sobre os quais incidia a facada da Receita Federal. Aí ele viu lá pra trás também e juntou tudo que eu recebi desde a edição em 2009. Caí na malha fina e com as multas talvez fique devendo meus direitos autorais.

Aprendi, na prática, que é inviável escrever livros neste país em que ninguém lê. E o governo ainda bota o leão da Receita Federal para morder o que o escritor nem ganhou. Surreal!!!!!!!!!!!    

VOCÊ CHEGOU ATÉ MIM

Lázaro José de Paula
 
VOCE  CHEGOU  ATÉ  MIM
PARA  FIRMARMOS  UM  PACTO    INDOMÁVEL
UM  PLANO  B    PARA   NOSSAS  VIDAS 
UMA  HIGWAY   PARA  O  INFINITO 
MAS  O  MAXIMO   QUE  CONSEGUIMOS        
FOI  UM  PARADOXO   DO  SOL  NASCENTE
PIMENTA   ARDIDA  NOS OLHOS   DOS  OUTROS´
É  RESSACA  DE  UMA  VIDA
DIRETAMENTE   DUM  PURGATORIO
PONDO  EM  RISCO  NOSSO  AFETO  CANINO
COMO  UM REPTIL    VENENOSO  E  TRAIÇOEIRO
VINDO  DA  JUNGLE 
UM   XEQUE- MATE   INDIGESTO   PARA  NÓS   DOIS

1 verso

DAS PERDAS IMAGINÁRIAS
 



Às vezes assalta-me uma tristeza infinda
Uma sensação de perda de algo que eu não tive
Como viver numa cidade inexistente e linda
Que ontem morou em mim e que hoje em mim não vive
 
Quero rever amigos que há muito já partiram
E deixaram na lembrança os sorrisos que não deram
Hoje eu sei que os abraços e os gestos que fingiram
Foram acenos amáveis do viver que não tiveram
(Climério Ferreira)
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foto: Pedra do Sal, Rio. Edmar

klöZ psicodélico por 1000TON





Contículos Paranóicos III

Sinos

Ele ouvia o sino da igreja, mesmo quando não havia igreja, nem sino. Dizia ao médico:
- São doze horas, doze batidas.
O médico conferia no relógio e sorria. Ainda ouve o sino, senhor? E ele, olhos muito esbugalhados, como um louco matador de cartunista, dizia que sim.
- Estão batendo os sinos.
O jovem médico perguntou:
- Que horas são?
E ele: São duas pombas e três rolinhas. Falta pouco pra um aquário. Em ponto.

(Léo Almeida)

Salgado Maranhão

 
 
 
 

RETIRANTE



Juarez Montenegro
 
Um pedaço de pão, um soluço por água,
um chinelo furado, uma roupa zurzida...
nem o ar se refaz nem a nuvem desagua,
uma vida sem rumo, um caminho sem vida!
.
Fica atrás a choupana, o girau; a ninhada,
sem touceira de inhame, um tostão de comida;
uma foice, um ancinho, uma safra perdida,
uma terra crocante... o afeto da amada!
.
Assim foge da seca que mata o rebanho,
mas promete voltar no final desse estio
ao coitado feitor sem recurso e sem ganho.
.
Inda trouxe de si um farrapo pras noites,
à espera de chuva; um alforje vazio;
a saudade no peito, em malvados açoites!...
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foto: Jurandir Lima em http://www.webventure.com.br/destinoaventura/n/parque-nacional-grande-sertao-veredas-mg/11687

 

domingo, 12 de maio de 2013

FISCAL DA NATUREZA, CONFESSO A FÉ


 

Edmar Oliveira
 
Saí de Teresina nos meados da década de setenta do século vinte. Portanto ainda muito jovem e tenho mais tempo de Rio de Janeiro do que o meu viver no Piauí. Entretanto se eu saí das margens do rio Parnaíba, aquele pedaço de terra, de um lado e outro do rio ficou dentro de mim para marcar o filho da terra, por sua vez filha do sol do equador e dos encantos das matas do Maranhão. Explico: nasci na minha Palmeirais e beirei o rio, de um lado e outro, até chegar em Teresina. Mas aí teve um hiato, que marcou as lendas e os mistérios do tambor de criola e do bumba-meu-boi: cresci um pouco lavando a alma e as brincadeiras no rio Itapecuru, em Codó, no Maranhão.

Volto a Teresina já taludo, menino de final de ginásio, engrossando a voz para entrar no científico. Estudei no Colégio Batista e no Diocesano, ensinado por americanos enormes que professavam o protestantismo e padres italianos da Companhia de Jesus. E pude comparar como o deus de cada um deles era diferente do que eu trazia das quermesses do Maranhão embrulhado nas crenças da feitiçaria dos negros. O meu ateísmo tem raízes profundas!

Mas foi um aprendizado maravilhoso embalado por crenças e deuses que me tornaram descrente como deve ser um bom botafoguense fazendo figa e batendo na madeira, vestindo a mesma camisa para ser campeão. A mesma que me deixou, algumas vezes, perder o jogo, mas não a fé.

Sempre perto do dia das mães eu faço aniversário. Outra vez esse ano, ontem risquei mais um ano no meu calendário, desta vez aposentado dos afazeres de servidor público. Confesso que fiquei meio peixe fora d’água, mas vou preenchendo o passar do tempo fazendo letras, além de “enfiar peido em cordão” que é uma das expressões mais misteriosas que a minha avó dizia de quem vive de sombra e água fresca, fiscalizando a natureza. E postei uma foto de um avião que faz a volta lá em casa antes de pousar no Santos Dumont. Um amigo disse que essa era uma ocupação privilegiada a de fiscalizar os céus e os voos dos pássaros.

O Piauinauta agora tem mais tempo de ficar no espaço sideral “prestando atenção” nos acontecimentos. Começando, volto a Teresina...
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desenho de Gervásio com o comentário: "TENTANDO SE ADPTAR À DURA VIDA DE APOSENTADO". Foto do fiscal dos céus. E quem souber o significado da expressão "enfiando peido em cordão", além de não ter o que fazer, me explique. Cartas para a redação que eu já estou fazendo uma coisa que não sei o que é...

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Agora, como nasci no dia das mães, ganhei de Gervásio esse presente:
 

1 verso

 
UM PAÍS QUE TEM OEIRAS
 
Um país que tem Oeiras
Só pode ser um país abençoado
E aos que não foram avisados
Aviso: é um país sem barreiras
 
É um país de memória
Que se sonha acordado
Entre rendas e bordados
Habita sua própria História
 
(Climério Ferreira)
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foto: Portal do Sertão

DIA INTERNACIONAL,...

 
Lázaro José de Paula
 
NO  DIA  INTERNACIONAL  DOS  CORAÇÕES   PARTIDOS
EU  VOU  DE  ROSA  VERMELHA   ENFEITANDO   A  LAPELA 
ESSE  É  MEU   ESTILO
ESSA   É  UMA  HISTÓRIA   PASSADA
DE  GERAÇÃO  A  GERAÇÃO
MAS,   APESAR  DA  RECEITA   CERTA, 
EU  MORRO  INTOXICADO  POR  TEU  AMOR
POR  UMA  FEBRE   MUNDIAL
NO   DIA  INTERNACIONNAL  DAS   ILUSÕES
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desenho Amaral

Deusdeth Nunes, o Garrincha.


Geraldo Borges            
 
            Garrincha não vale apenas uma crônica, vale uma biografia.  O que é que os escritores piauienses estão esperando para escrever um livro sobre a sua pessoa. Eu acho, sem nenhum agouro, que já é tempo de meter mãos à obra. O futebol piauiense não é essas coisas, mas tem uma grande história humorizada pelo Garrincha; e ele mesmo gostava de jogar bola; isto já é muita coisa. O garrincha com certeza conhece todas a história do futebol piauiense, o nome de seus melhores jogadores e de seus pernas de pau, os técnicos, isto desde muito tempo, do tempo do velho auto esporte do Bibio da Campos Sales e do tempo em que se   ouvia as narrativas de jogos  sentado ao pé de um radio rabo quente. E haja imaginação para acompanhar a partida. Eu nada sei de futebol. Joguei, como todo moleque brasileiro, peladas pelos terrenos baldios da cidade.

Bom. Eu sou só o procurador dessa crônica, mas não sou o seu personagem principal. Voltemos a ele, ao homem das pernas cambotas, que tão bem soube usar a sua caneta para falar de futebol, e que todo mundo sabe é conhecido por Garrincha por causa da parecença com o famoso jogador de futebol nascido em Pau Grande cidade do Rio de Janeiro, e campeão do mundo em 1958. Confesso que parece mesmo, e muito. Pois uma vez vi o jogador Garrincha, original, em pé, ao lado de um banco da Praça Rio Branco. E tirei a prova ao vivo.

Deusdeth Nunes chegou em Teresina se o espírito não me falha na década de sessenta, década de fermentações e explosões políticas e sociais. Vinha do Ceará para trabalhar na agencia do Banco do Piauí em Teresina, na sua antiga sede onde mais tarde funcionou a Câmara dos Vereadores, perto do quarteirão climatizado do Alberto Silva. Garrincha logo se entrosou muito bem com a fina flor da sociedade teresinense graça ao seu ar humorado, como também com o povão das torcidas de futebol no estádio Lindolfo Monteiro. Foi o criador do pastel da Maria Divina, este pastel de que tanto eu ouvi falar, mas nunca vi, nem mesmo senti o cheiro, talvez se tivesse chagado a experimentar não estaria aqui redigindo esta história do Garrincha. Porque é sabido e alardeado: quem comia o pastel da Maria Divina, morria.

Garrincha também é o grande inventor de “o prego na chuteira”, cabeçalho de sua coluna  que fala de futebol. Editada no jornal O Dia, e também propagada pela Radio Difusora, se não me engano. No horário do seu programa todo mundo fica na expectativa para rir do repertório do Garrincha. Pegando carona na sua popularidade de radialista e jornalista  terminou virando vereador. Mas parece que não levou a sério a sua nova atividade, se não tinha continuado, como muitos outros, que se  tornam donos da casa.  Garrincha tem muita história para contar sobre o folclore político piauiense. Não vou falar aqui nos seus livros publicados, que são exemplares. Apenas tocarei de raspão no seu livro ”a histórias de um professor” o professor de Wall Ferraz. É um livro excelente, com prefácio de Fonseca Neto, e que merece uma edição melhor elaborada. Foi publicado em 2002.

Garrincha envelheceu. Continua jovial.

 Foi meu vizinho. Morou na Quintino Bocaiúva, perto da casa do pai do Deoclecio Santas, próximo a Rua Campos Sales. O melhor do Garrincha é que mesmo aposentado continua firme, na ativa, perguntando quem matou  Fernanda Lages, fazendo o seu jornalismo, radio, etc, e, ainda tendo tempo de beber a sua cerveja no bar do Conciliábulo. O que fazer com o Garrincha? Com Deusdeth Nunes?  Talvez já tenha recebido o titulo de cidadão teresinense, talvez já tenha recebido o titulo de cidadão piauiense.  Medalhas, Medalhas.  Se não, ainda é tempo. Claro que isso não vale nada, mas consola, e pode servir de mote para uma piada. Até mesmo porque a grande comenda que Garrincha ganhou da sociedade teresinense foi a sua amizade e seu respeito.
 
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na foto das antigas: Garrincha e Carlos Said, o que obriga o Geraldo a escrever uma coluna sobre o magro de aço.
 
 

Contículos II

Pouco alegre

Cansado de tanto andar pelos cantos da casa, lambendo rodapés, o menino não se fez de rogado: comprou uma faca na feira e assassinou os pais enquanto dormiam.
Quando a polícia chegou não havia nada no recinto, apenas um livro de Borges espetado pela faca.

(Léo Almeida)

klöZ por 1000TON


contos mínimos IV

Prometeu a si mesmo que na primeira morte ficaria atento para ter mortes mais perfeitas no futuro. Só não contava com os lapsos de memória que vinham se agravando e o faziam esquecer-se até do próprio nome. Quando os médicos retiraram os tubos e desligaram os aparelhos, fez um esforço enorme para se lembrar, mas pouco adiantou. Aí, esquecido de como se morre, tomou uma decisão radical: nunca mais morreria. E não morreu. 

(Paulo José Cunha)

ainda as vozes!

 

Essa foto no facebook de uma estudante que assim dizia: "SURPERINDICO! Edmar Oliveira, meu primeiro contato com o universo da Saúde Mental", me deixou envaidecido e acreditando que valeu a pena a luta. Na vida nem tudo são flores, mas essa valeu!



A ARTE DE ESCREVER ENSAIO


Luiz Horácio
 
“A arte de escrever com finura consiste, de acordo com o Senhor Addison, em sentimentos que são naturais sem serem óbvios. Não pode haver definição mais justa e mais concisa dessa arte.”

Assim David Hume abre o ensaio  Da simplicidade  e do refinamento na arte de escrever.

Senhor Addison é Joseph Addison também ensaísta e fundador de The Spectator. No texto citado por Hume, Addison comenta o Paraíso perdido, de Milton.

É  exatamente esse detalhe, sentimentos,  que dá o tom aos ensaios de  A arte de escrever ensaio.  Esse aspecto bastante significativo, torna quase impossível identificar com precisão o que é objetivo e o que é subjetivo pois ambos acabam fundindo-se numa única matéria onde a parte principal compete ao subjetivo. Significa dizer que a emoção gerada pelo fato é mais importante que o fato. O prosaico da vida cotidiana na tentativa de apropriar-se das imagens transitórias do Mundo. O  filósofo torna-se um passante observador, transita entre criador e criatura e evitando os exageros provocados pela emoção, consegue unir sensibilidade estética com senso crítico e, feito um cronista  retrata os anseios cotidianos. Aborda tanto os  aspectos subjetivos como os mais objetivos, como por exemplo, a questão social.

David Hume, filósofo escocês, viveu de 1711 a 1776 dedicou sua existência aos estudos e à produção de obras “literárias”. Sua obra mais conhecida é o Tratado da natureza humana. O que distingue da maioria é exatamente essa preocupação sobre o que torna o humano ainda mais humano, os sentimentos. Se possível os bons sentimentos, mas não é bem assim. O ser humano, no entender deste aprendiz, esquece paulatinamente a capacidade/necessidade de sentir. Principalmente no que concerne ao seu semelhante. Colocar-se no lugar do outro? Quem sabe. Desde que o outro tenha dinheiro, bastante dinheiro.

Os ensaios de David Hume combinam o estilo claro e refinado com a profundidade da reflexão filosófica, provando serem adequados ao público geral ao qual se destinavam. Como se depreende da variedade de temas presentes nos trinta  textos de A arte de escrever ensaio .

Hume segue os passos do escritor e filósofo francês Michel Montaigne, que, em 1580, publicou Essais, uma coleção de textos curtos e meditativos sobre diversos assuntos. Depois de Montaigne, muitos escritores alcançaram notoriedade como ensaístas, dentre eles Francis Bacon, Alexander Pope, Samuel Johnson e David Hume.

Os ensaios de Hume seguem as características mais gerais do gênero, embora se observe que, em parte deles, tal autor tenha se preocupado com uma maior formalidade estilística e um encadeamento de ideias que o afastassem das nefastas e cansativas digressões. Seu estilo, como mencionado anteriormente, privilegiava a clareza e uma redação  muito além do coloquial, culta porém acessível.  O autor pretendia alcançar com os  seus ensaios, o sincretismo entre as pessoas de letras e as pessoas comuns. Diz em Da arte de escrever ensaio:

A parcela elegante do gênero humano, que não está imersa na mera vida animal, mas se ocupa das operações da mente, pode ser dividida em indivíduos  letrados e indivíduos de convívio social.

No ensaio Da simplicidade e do refinamento na arte de escrever, Hume defende um estilo de escrita nem demasiadamente natural ou simples, como o das conversas informais, nem tampouco excessivamente refinado como de alguns escritores.

Ornamento demais é defeito em qualquer gênero de obra. Expressões incomuns, exibição ostensiva de engenho, símiles incisivos, inflexões epigramáticas, especialmente quando ocorrem com demasiada frequência, mais desfiguram que embelezam o discurso. Assim como o olho, ao examinar um edifício gótico, é distraído pela multiplicidade de ornamentos e perde o todo em virtude da atenção minuciosa que dedica às partes, também a mente, ao estudar um trabalho abarrotado de engenho, fica cansada  e descontente com esse esforço constante de brilhar e surpreender.

Pedro Pimenta é o  responsável pela seleção dos ensaios deste representante do ceticismo, defensor do raciocínio lógico como método para investigar os fenômenos físicos. Nos ensaios selecionados, o filósofo discute temas como liberdade, casamento, amor e preconceitos. Sempre com simplicidade e refinamento.

Por vezes a filosofia assemelha-se aos conhecidos panos de chão, o que estiver ao alcance é recolhido. Nada é definitivo, transitoriedade é o seu outdor em neon. O banal vestido com a grife do hermetismo, tentativa de alcançar relevância e reflexões “profundíssimas” sobre temas de  exclusiva  competência  dos integrantes desse seleto clube.

Com Hume não é bem assim. Felizmente. Texto acessível até mesmo a um semialfabetizado filosoficamente como este aprendiz que ora toma seu tempo, transcendente leitor.

 

O filósofo ultrapassa as montanhas dos grandes temas metafísicos, morais e políticos. Se bem que esses dois sempre bem afastados, ou você vai tentar me convencer que existe moral na política, vai? Se bem que para qualquer lado que eu me vire encontro um petista disposto a essa tarefa. Pois Hume sobe e desce. Desce às questões comezinhas, aquelas  que afetam diretamente o viver diário, o  individual e social. Coisas que fazem audiência de Ana Maria Braga, Faustão e outros alimentadores de idiotas, assuntos como casamento, divórcio, amor, suicídio, e “otras cositas”.

O feijão com arroz servido em pratos de porcelana sobre toalhas de linho e talheres de prata. Um respeito  para com o leitor, completamente fora de moda.

Borges, que sabia de quase tudo, também sabia disso: “Supongo que la literatura es para servir como uns especie de sueño para el hombre, quizás ajudandólo, así, a vivir en la realidad. No hay nada en el universo que no sirva de estímulo al pensamiento”.

Será? Onde se escondem nossos ensaístas? Os ensaístas filosóficos que quando aparecem é para discorrer sobre Walter Benjamin? Basta. Mostrem seus talentos seguindo os passos de Hume, Montaigne, Bacon. Difícil? Preparem-se, Gerald Thomas se aproxima.

Olhar para a banalidade das questões humanas sem a pasmaceira da obviedade, arguto leitor, pode parecer simples, mas não é. Por vezes chega ser constrangedor. Para o leitor, para o leitor de seu porte, não àqueles tietes de Ana Braga, Fausto, Thomas et caterva.

Mas o que vem a ser um ensaio filosófico?

Um ensaio filosófico é um texto argumentativo em que se defende uma posição sobre um determinado problema filosófico. Uma vez que a melhor maneira de formular um problema é fazer uma pergunta, o objectivo de um ensaio filosófico é responder a uma pergunta e defender essa resposta, oferecendo argumentos e refutando as objeções.

A definição acima parece estar completamente obsoleta pois o que mais se lê são bobagens completamente fora desses padrões mas que fazem questão de ostentar a placa “ensaio”.

Por favor, leiam e releiam Hume antes de  se intitularem ensaístas.

Diante disso, filosófico leitor, responda  a pergunta de Sartre ao final  da autobiografia  As palavras:

“O que resta?”

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TRECHO

 

Um ganho considerável que se tem com a filosofia é o supremo antídoto que fornece contra a superstição e a falsa religião. Todos os outros remédios contra essa doença pestilenta são inócuos, ou, no mínimo, incertos. O simples bom senso e a prática do mundo, que por si sós bastam para a maioria das necessidades da vida, são ineficazes aqui: a história e também a experiência cotidiana fornecem exemplos de homens dotados da maior capacidade para os negócios, públicos e privados, que passam a vida inteira escravos da mais brutal superstição. Mesmo a alegria e a doçura, que infundem um bálsamo em todas as outras feridas, não proporcionam remédio para veneno tão virulento, o que podemos observar particularmente em relação ao belo sexo, o qual, embora comumente dotado desses ricos presentes da natureza, sente esse intruso importuno empestar muitas de suas alegrias. Uma vez, porém, que a filosofia sadia tenha se apossado da mente, a superstição é efetivamente expulsa, e pode afirmar-se com segurança que seu triunfo sobre esse inimigo é mais completo do que sobre a maioria dos vícios e imperfeições que incidem sobre a natureza humana. Amor e raiva, ambição e avareza têm sua raiz no temperamento e nas afecções, e a razão mais sadia dificilmente consegue corrigi-los por inteiro. Mas a superstição, sendo fundada na falsa opinião, tem de esvaecer imediatamente tão logo a verdadeira filosofia tenha inspirado sentimentos mais justos acerca dos poderes superiores. Aqui a disputa entre doença e remédio é mais equilibrada, e nada pode impedir que este último prove sua eficácia,  a não ser que seja falso e adulterado.

Será supérfluo exaltar aqui os méritos da filosofia, mostrando a tendência perniciosa daquele vício de que ela é a cura para a mente humana. O homem supersticioso, diz Cícero, é um miserável em cada cena, em cada incidente da vida. Mesmo o sono, que afasta todas as outras preocupações dos infelizes mortais, dá a ele novos motivos de terror, quando examina seus sonhos e vê nessas visões noturnas prognósticos de calamidades futuras.

 

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NOTA BIOGRÁFICA

 


Historiador, economista e filósofo escocês, nascido nas proximidades de Edimburgo, um dos maiores expoentes da filosofia moderna, com pensamento baseado no ceticismo positivo, considerado o fundador da escola cética ou agnóstica de filosofia, o Empirismo, cujo princípio básico é evitar toda hipótese não comprovável experimentalmente. Filho de pequenos agricultores, Joseph Hume e Katherine Falconer, de acordo com o sistema de primogenitura o filho mais velho herdou às propriedades da família e ele, de acordo com as expectativas de sua família, deveria seguir a tradicional carreira de advogado. Frequentou a Universidade Edimburgo (1724-1726) e por entender advocacia muito chata, dedicou-se entusiasticamente ao estudo de literatura e filosofia, enquanto trabalhava como comerciante. Em busca de aprofundar esses conhecimentos, estudou na França (1734-1737) e lá escreveu seu primeiro livro, Tratado da natureza humana, que publicou após voltar para seu país (1739) e que o decepcionou com a fraca recepção. Com esse trabalho tentou, sem êxito, obter a cátedra de ética em Edimburgo.

 

Teresina Sitiada, filme de Paulo Tabatinga