(Edmar Oliveira)
“no Nepal não tem
carnaval,
mas eu vou fazer meu
carnaval no Nepal”
Canto o refrão de uma marchinha de carnaval de Teresina nos
meados dos anos 1970. Éramos jovens e cantávamos a letra do nosso poeta
Durvalino Couto em plena Avenida Frei Serafim. A letra falava de gelatear – um
verbo derivado do antigo bar Gellati – onde tomávamos nossa santa cerveja de
fim de tarde. Gelatear de bar em bar era uma peregrinação etílica na cidade
verde. E ainda falava de olhares em cada esquina a nos vigiar, nós que fazíamos
um carnaval na seda do saquinho da pipoca oriental. O picolé amazonas e a
pipoca oriental foram guloseimas de nossa juventude. O oriente era ali nos
prazeres terrenos.
E o Nepal a terra santa do Buda, dos templos sagrados, do
silêncio e da paz dos monges, do frio da montanha mais alta do mundo. A letra
do poeta nos deslocava para a paz do Himalaia, nós que sofríamos os anos de
chumbo no Brasil. E o Nepal se fez paraíso dos nossos desejos de subverter o
sistema da Teresina conservadora de então.
Esses versos e a melodia da marchinha ecoaram nos meus
pensamentos quando chegou a notícia do devastador terremoto do Nepal com a
avassaladora cifra de mais de dez mil mortos. Templos da história da humanidade
que se desmancharam com o sismo. Aquele meu paraíso silenciado, mas um
imaginário guardado nos versos do poeta Durvalino, desmanchava-se num terremoto
destruidor.
Na mesma semana em que a famigerada Câmara dos despudorados
ressuscitou o projeto de terceirização dos trabalhadores que abalam minhas
crenças de lutas políticas de toda uma vida. De uma avassaladora sanha de
baixar a maioridade penal para encarcerar crianças em nome de combater o crime.
Reviraram o estatuto do desarmamento e querem armas para que cada um cuide de
si. Tempos de panelaços da direita e do imoral desejo de ter a ditadura de volta. A polícia bate em professores no sul e aqui mata crianças na favela. E um governo
do partido de ex-trabalhadores avança num retrocesso sem igual. É, só faltava
mesmo o meu paraíso desabar. Meus sonhos, meu carnaval e o Nepal.
Pior é saber que o custo da recuperação do patrimônio histórico
do Nepal tem o mesmo valor dos desvios no escândalo da Petrobrás. Mas aqui não
tem terremoto e tem carnaval.